Hamlet 16x8: O Monólogo de Rogério Bandeira
- Gabs Marques
- 1 de nov. de 2022
- 3 min de leitura

O cenário é simples: uma mesa, duas cadeiras, uma jarra de água, um cabideiro com um chapéu e um violão.
Um monólogo é algo de se admirar. É difícil se expor consigo mesmo no palco, uma luz sob sua cabeça, um texto que somente você poderá ler. Mais difícil ainda quando se faz não somente um personagem nesse monólogo, mas outros são introduzidos, com nuances próprias.
Contudo, isso é brilhantemente realizado por Rogério Bandeira, na sua montagem Hamlet 16x8. Uma peça com duração de 2 horas que não se sente em nenhum momento que o tempo se arrasta. Bandeira apresenta altos e baixos, mesclando sua vida pessoal com a do dramaturgo Augusto Boal, expoente do teatro brasileiro, ao ponto de que não sabemos quando se é uma história de um, ou de outro. Em alguns momentos também somos introduzidos a Hamlet de Shakespeare, motivo de estudo do teatrólogo que acarretou a publicação do livro "Hamlet e o Filho do Padeiro: Memórias Imaginadas" em 2000.
Por conta da pandemia, a montagem iniciou-se com apresentações online, e encerrou sua temporada de apresentações ontem (19/09/2021) no Teatro Sérgio Cardoso, no bairro do Bixiga em São Paulo.
O relacionamento com o pai, a escolha de largar a carreira escolhida - Bandeira o direito; Boal, a engenharia química - é incrível a sincronia que ambos possuem em suas trajetórias. E isso torna o texto tão natural. E nessas passagens também se vê a presença do personagem shakesperiano, que se relaciona com a figura fantasmagórica do pai.
Em vários momentos me perguntei “estaria Bandeira atuando ou sendo ele mesmo no palco? Esse movimento é ensaiado? O enrolar das palavras?” Em momentos parecia ser somente uma roda de conversa, em outras uma confidência, e por essa mistura acompanhamos a vida do ator e do dramaturgo em 7 partes - que Rogério chama de “estações” - permeados pela famosíssima fala de Hamlet "ser ou não ser?".
Vemos a passagem de Rogério pelo CPT de Antunes Filho, um dos maiores nomes no que tange a direção do teatro nacional, também conterrâneo de Augusto Boal. Vemos o período ditatorial no Brasil, que levou ao exílio de Boal para o exterior e curtos exílios da família de Bandeira pelo interior e litoral, visto que o pai deste atendia os presos políticos do DOI-CODI, centro de repressão política durante a ditadura.
O momento em que se trata sobre o pai de ambas as figuras em foco, é realmente tocante. É incrível de se ver, pela ligação que a figura paterna de ambos os artistas se misturam e entrelaçam lindamente.
Por fim, a peça também garante boas risadas, inclusive uma irônica fala de Rogério: “Eu odeio monólogo”. A frase é seguida de um questionamento: falar sobre si ou consigo mesmo para um monte de pessoas, especialmente num espaço limitado, é o que está em alta no momento. Inúmeros rostos conversando sozinhos, isolados, sem interação coletiva numa criação teatral, numa tela de 16 centímetros por 8 - as medidas de um celular - no conforto do lar. Não há questionamento, reflexão. E o teatro é presença, acima de tudo. É ter a interação público-palco, ou o espect-ator, que é o termo usado por Bandeira. A tela, ainda que nos permita certo fazer artístico, não substitui um palco. Num cenário pandêmico, como o que estamos vivendo hoje, em que muitos se voltam para as telas, é bonito e emocionante voltar a ver a luz da ribalta.
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